Trocar e compartilhar bens de consumo e não comprá-los. Essa é a ideia sustentável por trás do consumo colaborativo, fenômeno que vem crescendo em todo o mundo e que aos poucos chega ao Brasil.
A tendência do consumo colaborativo cresce em torno da teoria dos 3Rs (três erres): redução do consumo de resíduos, reutilização dos produtos e reciclagem ao final da vida útil. A transformação do bem em serviço é o que faz a proposta ser tão atraente para a expansão do pensamento de que “o que é seu, também é nosso”.
São serviços que através da internet adaptam a antiga prática do escambo à era digital com a criação de websites que oferecem a troca, aluguel, empréstimo e até doações de qualquer tipo de bem, sem equiparação de valor.
As ofertas são as mais inusitadas possíveis. Vão desde o aluguel de carros por períodos fracionados em horas, empréstimo de furadeira para uma reforma rápida ou a troca de um livro que estava encostado na estante.
Foi um movimento que ganhou força nos Estados Unidos e Europa após a crise econômica mundial de 2008 e que fez com que os consumidores desses países buscassem alternativas para economizar dinheiro e tirar alguma vantagem no reuso de produtos que já possuíam.
Nos Estados Unidos, sites como o Swap são febre entre os consumidores e suas ações costumam também ir além da rede mundial de computadores. O serviço realiza campanhas para troca de livros e uniformes em escolas infantis, incentivando desde o início as crianças a desenvolverem uma consciência de consumir menos e compartilhar mais.
Mas no Brasil isso ainda não ocorre com tanta força, pois a classe média ainda está em crescimento e, portanto, consegue comprar mais, diminuindo essa margem para o empréstimo ou troca de produtos.
Porém, a consciência ambiental dos brasileiros é considerada mais representativa do que em outras regiões e é justamente neste pensamento sustentável que sites de consumo colaborativo no Brasil apostam para um rápido crescimento desse novo mercado que poderá ajudar a reduzir o impacto da materialização desenfreada entre os cidadãos e do acúmulo de lixo e resíduos sobre o meio ambiente.
Por aqui alguns sites já começam a se destacar oferecendo diversas opções de serviços, como o aluguel fracionado de carros da Zazcar, o espaço de coworking da The Hub, o bazar virtual Enjoei e até de crowdfunding do Catarse onde é possível pedir apoio financeiro a projetos.
“É o momento de criar esse pensamento colaborativo. O consumo individual e desenfreado já é algo do século passado. Compartilhar produtos é a mais nova e melhor alternativa já criada“, afirma Gabriel Schon, criador do INIO (I Need, I Offer), sistema de trocas e consumo colaborativo para Facebook.
O INIO surgiu há pouco mais de dois meses como parte do trabalho de conclusão de curso (TCC) da faculdade de TI que Gabriel cursava. A ideia veio da vontade de adquirir uma câmera fotográfica para realizar um projeto. Mas ao perceber o alto preço que teria de pagar por ela, resolver criar um espaço onde os conhecidos poderiam trocar qualquer tipo de objeto.
E este é um dos motivos pelo qual optou por utilizar a plataforma do Facebook para lançar seu serviço. Segundo Schon, a rede social permite criar uma maior confiança entre os usuários, pois seria possível avaliar o perfil da mesma e manter contato por meio de um canal em comum.
Atualmente já existem mais de 1.100 pessoas cadastradas no serviço, e que trocam ou emprestam os mais variados produtos como livros, jogos de videogame e mesmo CDs. Na opinião de Schon, essa cultura colaborativa pode diminuir até a pirataria de produtos.
“Aqui temos a cultura do descuido com coisas emprestadas - não é meu, não vou cuidar muito. Com esse tipo de serviço pretendo ajudar a desenvolver um respeito mútuo entre os usuários. A cada remessa de registro converso com cada novo integrante, recebo sugestões, e venho tendo um retorno bastante positivo”, aposta Schon.
As diferenças culturais e a desconfiança natural do brasileiro podem explicar os motivos de tais serviços ainda não serem tão reconhecidos pelos consumidores. Mas há aqueles que acreditam numa rápida adaptação e que há algum tempo já tiram proveito, inclusive profissionalmente, do consumo compartilhado.
A artesã Elza Dupré teve seu primeiro contato com este tipo de serviço em 2008, ao procurar por comunidades brasileiras no site norte-americano FreeCycle. Conseguiu obter sem nenhum custo diversos materiais como retalhos de tecidos, espelhos usados, pedaços de vidro, tudo que poderia utilizar em seus trabalhos artísticos, que são voltados ao ecologicamente correto.
Até sua bancada de trabalho foi obtida e construída através da doação de uma porta usada e de um cavalete. Em contrapartida, Dupré afirma já ter doado um violão que estava encostado a uma criança que queria aprender a tocar.
“Só há vantagens em ser sustentável! O interesse me veio pelo fato de ser um site de doações, onde o objetivo principal é a reutilização e reciclagem de objetos e utensílios. É incrível como não temos idéia de que qualquer coisa que não nos sirva ou interessa mais, pode ser útil para outra pessoa”, afirma Dupré.
Outro serviço que promete ajudar na expansão do consumo colaborativo no Brasil é o DescolaAí, que além da troca, também possibilita o aluguel de bens. O site possui um sistema que localiza o usuário mais próximo geograficamente daquele que procura o produto e os coloca em contato para acertarem os valores e prazos do aluguel.
Para aumentar a segurança, ao iniciar a negociação, o sistema gera um código para os usuários se identificarem. Quem for alugar o produto, também deverá informar os dados do cartão de crédito e somente após a devolução é que o valor será debitado da fatura. Os envolvidos também pontuam a ação um do outro, criando assim um ranking dos mais confiáveis.
“O DescolaAí nasceu quando, olhando a quantidade de lixo que estamos coletando via TerraCycle, começamos a nos perguntar como evitar a geração de resíduos. Fui atrás de projetos internacionais, mas nenhum atendia as necessidades do projeto para o Brasil. Isso porque o brasileiro é desconfiado, então o maior investimento do projeto até agora está no desenvolvimento da tecnologia aplicada, para darmos total segurança para os usuários”, diz Guilherme Brammer, presidente do TerraCycle no Brasil e criador do site DescolaAí.
Atualmente o site está em fase de pré-cadastro e já possui mais de 1200 inscritos. Segundo Brammer, o serviço será lançado ainda neste mês de junho e a expectativa é que o DescolaAí alcance 100 mil usuários até o meio de 2012.
A internet e a significativa inserção das redes sociais na sociedade estão proporcionando poderosas ferramentas de colaboração que vão além do simples fato de conectar as pessoas e permitem modificar fisicamente o mundo real com ações mais conscientes e responsáveis.
“Dar às pessoas a oportunidade de tomarem atitudes sustentáveis com relação ao consumo é outro aspecto positivo. Atitudes que refletem no dinheiro que não será gasto com a compra, no espaço que não será necessário para guardar o objeto depois do uso e no aumento do aproveitamento do tempo de vida útil do produto. A ideia tende a ganhar cada vez mais espaço”, aposta Brammer.
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