terça-feira, 22 de março de 2011

Gaúchos de volta à linha de frente

Com perdas apenas localizadas, estado retoma avanço em produtividade e acredita que pode, finalmente, sair da lanterna


João Backes tem produtividade recorde com tecnologia e um pouco de “sorte”

As variedades de soja precoce surpreenderam os gaúchos e colocaram o Rio Grande de Sul novamente na corrida nacional da produtividade da soja. Apesar da tradição de quase dois séculos na agricultura – a colonização se intensificou a partir de 1824 –, o estado ficou para trás no rendimento das lavouras. Dividiu com o Piauí o último lugar no ranking da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na última temporada, com 2,5 mil quilos por hectare. Agora, com um clima mais favorável que o previsto apesar das influências do La Niña, mostra que irá bem além dos 2,3 mil quilos de soja por hectare previstos inicialmente.


De volta aos campos gaúchos na última semana, a Expedição Safra Gazeta do Povo encontrou lavouras afetadas por períodos secos de até 30 dias, com quebras superiores a 50%, mas constatou que a grande maioria dos produtores foi beneficiada por chuvas semanais e espera colher mais do que na temporada passada. As lavouras de soja que ficaram prontas primeiro rendem mais de 3,5 mil quilos por hectare. O milho, que teve área reduzida, apresenta picos acima de 10 mil quilos/ha.

Lavouras que enfretaram seca cresceram menos e perderam vagens


Com a colheita da soja passando de 20% (numa área de 4,09 milhões de hectares) e a do milho de 50% (em 1,1 milhão de hectares), os produtores gaúchos afirmam que essas médias vão baixar, mas podem se aproximar ou ficar acima dos recordes verificados em 2009/10. No milho, a expectativa é de mais de 4,7 mil quilos/ha em média. Na soja, produtividade acima de 2,6 mil, podendo chegar a 2,8 mil quilos/ha.


Essas marcas projetam produção de mais de 5 milhões de toneladas do cereal e de mais de 10 milhões de toneladas da oleaginosa, com incremento acima de 10% sobre as estimativas iniciais. Os técnicos da Expedição Safra avaliam o quadro e vão estabelecer um indicador nas próximas semanas.


A Emater vem elevando suas previsões todo mês e deve fazer novo ajuste diante dos resultados atuais, conforme o assistente técnico Ataídes Jacobsen. Ele afirma que houve mais registros de seca ao sul e que as lavouras que ficam ao norte podem sustentar aumento na produtividade média no milho e na soja.


Em contraste com a contínua expansão verificada nas demais regiões produtoras, as lavouras do Rio Grande do Sul são as mesmas há três décadas. Não crescem e dependem de solos em recomposição. Como se não bastasse, houve quatro quebras climáticas na década passada (nas safras 2001/02, 03/04, 04/05 e 05/06). Além disso, a prática de salvar sementes de uma safra para outra ou trazer produtos da Argentina desestimula a pesquisa e provoca escassez de variedades adaptadas, capazes de ultrapassar continuamente as marcas de rendimento.


É atacando essas dificuldades de frente que os produtores se superaram, avalia o agrônomo Marcos Raul Kohlrausch, da cooperativa Cotrijal. Ele apresentou na Expodireto, maior feira agrícola do estado, realizada na semana passada em Não-Me-Toque, variedade de soja com potencial para mais de 4 mil quilos por hectare. “Até pouco tempo atrás, era só material da Argentina. O caminhar do mercado de sementes traz aumento de produtividade”, argumenta. O uso de sementes registradas está entre os conselhos mais repetidos pelos 40 agrônomos da Cotrijal. Eles afirmam que a prática incentiva a indústria a investir em pesquisas na região.


O produtor e veterinário João Kurtz, de Passo Fundo, defende que o incremento na produtividade pode ser sustentado também com aperfeiçoamento do manejo. Nos 395 hectares que cultiva, vem adotando cultivo agrícola sobre pastagem, num sistema próprio de plantio direto na palha integrado à pecuária. Ele mantém 400 bovinos e bubalinos para produção de leite e carne. Estuda as mudanças que ocorrem no solo após cada temporada e inclusive a influência de insetos na descompactação. “Quanto menos se mexe na terra, melhor. Mas, para se ganhar produtividade, ainda existe muito a ser pesquisado”, alerta.

Altos e baixos

Clima poupa áreas preparadas

O clima, sozinho, não explica a diferença entre as lavouras gaúchas com quebra de 50% e as que apresentam rendimento recorde. O histórico das áreas e a tecnologia adotada pelos produtores acentuaram os resultados, avaliaram produtores e técnicos entrevistados pela Expedição Safra.

Com 12,5 hectares de soja, Laércio dos Santos, de Victor Graeff, está entre os produtores mais prejudicados. Como a área é pequena, segue tecnologia adotada na vizinhança e contrata serviços de plantio e colheita. A “operação padrão” não evitou que a produtividade caísse a 2 mil quilos por hectare. “Usamos 300 quilos de fertilizantes por hectare e não foi suficiente”, lamenta.

Um terço das áreas dessa microrregião teve algum problema, mas as perdas maiores foram pontuais, conta o agrônomo Eder Wentz. “Essas áreas tiveram 30 dias secos depois do Natal. Receberam só uma chuva de 12 milímetros, que não fez diferença.”

A poucos quilômetros, João Backes colhe sua safra recorde, com média de 4,1 mil quilos por hectare. Ele planta nove lotes que somam 255 hectares. Faz questão de investir em tecnologia e seguir à risca orientações técnicas como forma de reduzir o risco climático. Por outro lado, admite que o resultado desta safra veio um pouco da sorte. “Estamos usando variedades de ciclo mais curto, que sofrem mais se não chove. Dessa vez deu certo.” Suas áreas receberam chuvas toda semana na fase de florescimento e enchimento dos grãos.

Segundo os técnicos da região ouvidos pela Expedição, a tendência é que as variedades mais produtivas desta safra sejam as mais vendidas a partir de agora, mesmo as que representam maior risco climático.

“Usamos 300 quilos de fertilizantes por hectare e não foi suficiente. Sem chuva, pouco adianta. A produtividade será de 2 mil quilos por hectare.”

Laércio do Santos, produtor de soja em Victor Graeff, noroeste gaúcho.

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