Grande parte das empresas brasileiras já investe em programas de treinamento e educação de funcionários. Mas ainda falta uma lei que conceda benefícios e ajude a difundir essa prática no país
Por Tércio Saccol
É consenso: sem uma educação de qualidade, o Brasil não terá condições de segurar por muito tempo o atual ciclo de crescimento econômico. E não é de hoje que as empresas brasileiras vêm sentindo o peso dessa verdade. Está faltando mão de obra qualificada no Brasil. E nem poderia ser diferente num país em que grande parte dos professores ganha pouco mais de um salário mínimo – e onde apenas 13% da população entre 18 e 24 anos conclui o ensino superior. A grande questão é: qual a melhor maneira de driblar essa deficiência?
No contexto corporativo, a resposta parece simples: as próprias empresas devem investir na qualificação de seus funcionários. E muitas companhias já fazem isso. Mas é aí que elas se deparam com mais um obstáculo no caminho do verdadeiro desenvolvimento: não existe, no Brasil, nenhum programa que estimule as corporações a bancar o estudo de seus funcionários e colaboradores.
Atualmente, as empresas podem descontar o valor investido na educação de funcionários do faturamento bruto declarado no cálculo do Imposto de Renda. A legislação brasileira também prevê que as bolsas e os prêmios de estímulo à produção intelectual sejam admitidos como despesas operacionais. E é só. Fora disso, empresas que desejam investir no estudo e na capacitação de seus quadros precisam agir por sua própria conta e risco.
Ideias e projetos para corrigir essa lacuna não faltam. O problema está na dificuldade em passar da teoria à prática. Em 2004, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) apresentou um projeto que previa a utilização do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para o pagamento de parcelas de anuidade escolar do ensino superior. Ou seja: a lei não serviria de estímulo às empresas, mas aos funcionários. De acordo com o texto, o trabalhador poderia sacar até 30% do valor de sua conta vinculada para quitar até 70% do valor de cada parcela.
O projeto vem tramitando no Congresso, há nada menos que sete anos – mas ainda não há prognósticos de quando será votado. Em agosto de 2007, o então senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) apresentou um projeto de incentivo específico às empresas e aos empregadores. Pela proposta de Zambiasi, o dinheiro gasto na qualificação de mão de obra poderia ser abatido da contribuição para o regime geral de previdência social. Três anos se passaram, o projeto passou de mão em mão, sobrevivendo a cerca de 40 reelaborações – e continua, simplesmente, um projeto.
Engolida pelo pantanal burocrático, a ideia de Zambiasi acabou sendo assimilada a uma proposta diferente, que prevê a não incidência de contribuição previdenciária sobre alguns cursos de graduação. Esse é o projeto que se encontra, hoje, na mesa diretora da Câmara. Dois anos após a iniciativa de Zambiasi, foi a vez da sucursal paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) de propor uma solução ao assunto. Em 2009, a entidade apresentou um anteprojeto de lei para facilitar a captação e o direcionamento de recursos privados para a educação. A proposta, entregue ao Ministério da Educação, usava como modelo a Lei Rouanet de incentivo à cultura, que estende incentivos fiscais a empresas que financiem ou apoiem projetos culturais, como produção de filmes e peças de teatro.
A ideia apresentada pela OAB era simples: oferecer os mesmos benefícios às companhias que investem em ensino. Se aprovada, a proposta permitiria que pessoas físicas ou jurídicas aplicassem parcelas do Imposto de Renda em projetos na área da educação. Mas, como suas antecessoras, a ideia da OAB continua presa na ciranda da indecisão política. “Uma iniciativa deste tipo poderia trazer grandes benefícios para as empresas e seus colaboradores”, avalia Luís Ângelo Noronha de Figueiredo, diretor de RH da Weg – empresa que investe constantemente na educação de seus funcionários. “Além disso, seria oportuno aprovar projetos que melhorassem os currículos das escolas, adequando-os à realidade e às necessidade das empresas.” Ou seja: não basta só aparar as arestas – é preciso também reformar a problemática base da educação brasileira.
Desde 2004, tramitam no Congresso pelo menos três projetos que preveem incentivos para as empresas que investem na educação. Nenhum deles foi votado
Enquanto projetos e anteprojetos dão voltas, as empresas continuam agindo por conta própria. É o que aponta a Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs). “Mesmo sem lei de incentivo, as empresas já investem nos seus trabalhadores. O próprio Sistema Fiergs, através do Sesi e do Senai, atua nessa prática há muito tempo, sempre incorporando modalidades e cursos de acordo com a demanda industrial e com a modernidade”, informa a entidade, por meio de nota enviada a AMANHÃ. Hoje, o Senai conta com uma faculdade que forma tecnólogos, por exemplo.
Além de multiplicar benefícios para atrair profissionais qualificados, muitas corporações apostam na concessão de bolsas de estudo ou no financiamento completo de cursos de graduação – o que, muitas vezes, inclui a formação de parcerias com instituições de ensino. “Esse tipo de incentivo alimenta um relacionamento emocional entre o funcionário e a empresa – e isso sem falar em todo o conhecimento que o funcionário reproduzirá entre as paredes da companhia”, opina o professor e consultor em educação, Carlos Monteiro, da CM Consultoria.
Na Weg, existem políticas de estímulo à educação desde 1976. A empresa incentiva seus funcionários a realizar cursos fora da empresa (como aulas de idiomas, graduações e pós-graduações) e também aposta em treinamentos internos. Mas o funcionário precisa respeitar certas condições: o treinamento deve estar voltado às necessidades do cargo atual e as aulas devem ocorrer, de preferência, fora do horário de expediente normal. Mesmo na falta de incentivos governamentais, a empresa tem uma avaliação positiva dessas políticas. “Podemos contar com colaboradores cada vez mais preparados para assumir papeis estratégicos. Atualmente, temos um número significativo de transferências internas e externas, oportunizando crescimento a vários de nossos colaboradores” aponta Noronha.
De acordo com Marisa Eboli, professora da USP e especialista em educação corporativa, o mundo das empresas está atento à necessidade de superar a falta de incentivo público. Sobre o tema, Marisa liderou a pesquisa “Práticas e Resultados da Educação Corporativa 2009”, conduzida pelo Grupo de Estudo em Gestão da Educação Corporativa da FEA/USP. O levantamento mostrou que 40% das empresas aplicam entre 1% e 3% da folha de pagamento em educação corporativa – enquanto 19% aplicam mais de 5%. “É inquestionável o amadurecimento da educação corporativa. Há uma expressiva expansão de experiências, tanto em termos de quantidade como de qualidade”, destaca Marisa.
Fonte: http://www.amanha.com.br/gestao-internas/50-gestao-1/1918-por-uma-rouanet-da-educacao
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