O encarecimento de produtos básicos gera tensões inflacionárias e põe em risco a segurança alimentar de amplos setores da população na América Latina, enquanto os prognósticos a escala global também não são encantadores.
Na opinião da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), tal volatilidade cria incerteza e representa um obstáculo ao investimento e a acumulação sustentada de capacidades tecnológicas e produtivas nos países da região.
A secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, considerou que o aumento nos produtos agrícolas, minerais e energéticos impacta toda a região, ainda que há variações entre os Estados por sua condição de exportadores ou importadores das chamadas commodities (produtos primários).
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) advertiu que em fevereiro de 2011 o índice de preços dos alimentos bateu recorde histórico, ao medir uma cesta básica hipotética composta por cereais, açúcar, produtos oleosos, carne e laticínios.
Ainda que em março e abril houve uma ligeira queda, estes indicadores continuam 36 por cento acima dos valores registrados há um ano.
Com esses aumentos, tende a diminuir o consumo de nutrientes por parte dos segmentos mais pobres da população, e instauram-se condições para desequilíbrios insustentáveis nas contas correntes dos países, alertou a Cepal.
Ministros da Agricultura dos Estados membros do Grupo dos 20 (G-20) analisaram, os passados 19 e 20 de maio, a volatilidade das commodities e examinaram as tendências dos principais produtos agropecuários quanto a oferta e demanda internacionais.
No contexto do fórum, realizado em Buenos Aires, o ministro de Economia argentino, Amado Boudou, responsabilizou à especulação financeira pelos altos preços dos alimentos, pois a tendência de ascensão ultrapassa amplamente as flutuações determinadas pela correlação oferta-demanda.
A organização não-governamental GRAIN, especializada em temas agrícolas, estima que o dinheiro especulativo em alimentos, cresceu de cinco bilhões de dólares em 2000 a 175 bilhões em 2007 e o negócio continua em ascensão.
Também não podem ser ignorados os estragos provocados por fenômenos climáticos e o encarecimento dos custos agrícolas associados aos aumentos na cotação dos hidrocarbonetos.
No entanto, a crise no terreno alimentar não está provocada por escassez nas produções.
Especialistas na matéria localizam como centros do conflito o destino das ofertas e a falta de equidade na distribuição.
Cerca de um terço dos alimentos produzidos anualmente no planeta para o consumo humano, aproximadamente um bilhão 300 milhões de toneladas, perdem-se ou são desperdiçados, precisou um estudo da FAO.
Realizada em Lima, Peru, a V Reunião do Grupo de Trabalho da Iniciativa América Latina e Caribe Sem Fome calculou, em maio deste ano, que mais de 52 milhões de habitantes na região padecem por malnutrição.
Pese aos esforços dos governos, não se conseguiu reduzir significativamente a insegurança alimentar e nutricional, assinalaram os participantes no fórum.
Soberania alimentar
Considerada a zona mais desigual na distribuição dos rendimentos, a América Latina é um cenário com contrastes marcados quanto a produção e acesso dos cidadãos aos fornecimentos básicos para sua alimentação.
Os países com maior dependência das importações de comida figuram entre os mais vulneráveis, ainda que neste sentido as políticas e planos de governo também marcam diferenças.
Depois do fracasso do neoliberalismo no continente, o resgate do papel do Estado aparece entre as alternativas mais esperançosas para sair do estancamento produtivo ou, em outros casos, fazer com que os progressos macroeconômicos se expressem na vida da população.
Desse prisma, vários governos optam por intervir nas atividades agrícolas, incluídas as industriais.
Na opinião da representante da FAO na Bolívia, Elisa Panadés, merecem reconhecimento as medidas do governo de Evo Morales destinadas a erradicar a fome nessa nação sul-americana.
A especialista destacou a vontade política do Estado Plurinacional para impulsionar o trabalho dos pequenos agricultores e fomentar estratégias inclusivas de distribuição dos resultados produtivos.
Entre os acertos, Panadés mencionou a entrega de bônus de ajuda a setores em desvantagem social, junto com a criação de programas como Desnutrição Zero, Apoio à Segurança Alimentar e Valorização da Economia Camponesa de Camélidos.
Segundo informou o vice-ministro boliviano de Desenvolvimento Rural e Agropecuário, Víctor Hugo Vásquez, o Estado investirá em 2011 outros 52 milhões de dólares a fim de aumentar a produção de hortalizas e grãos, com destino à população.
O coordenador nacional do Programa de Apoio à Segurança Alimentar, Remy González, informou que o Governo distribuirá neste ano um total de 500 milhões de dólares entre pequenos e grandes produtores agrícolas mediante diversos mecanismos de apoio.
Entre os programas em marcha, figura a execução de sistemas de irrigação e fornecmento de água a zonas rurais, mediante o investimento de uns 100 milhões de dólares, confirmou o mandatário Evo Morales.
"A Bolívia -avaliou o estadista- não deve esperar que os países industrializados mudem as políticas de desenvolvimento causantes da crise alimentar, senão promover programas de produção para enfrentar o problema".
Nações latino-americanas com maior regulação econômica também põem seus olhos no fomento das capacidades locais, assim o ilustram as medidas aprovadas recentemente no Brasil pela presidenta Dilma Rousseff.
Em seu habitual programa de rádio das segundas-feiras, Café com a presidenta, a dignatária ratificou em 23 de maio passado a decisão de atender as necessidades de uns quatro milhões 300 mil lares que vivem da agricultura familiar.
Entre as decisões destacou a libertação de fundos equivalentes a uns nove bilhões 420 milhões de dólares para financiar a próxima colheita dos pequenos produtores, com início em julho próximo.
Ademais prevê a redução de juros nos empréstimos concedidos aos trabalhadores rurais por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, e a criação de uma superintendência na Caixa Econômica Federal para o desenvolvimento habitacional no campo.
Cada centavo que o governo investe na agricultura familiar se multiplica, aumenta a produção e o consumo, reduz o preço dos alimentos e ajuda a colocar mais comida na mesa de muitas famílias, apreciou a presidenta.
Reconhecidos pela FAO e outras instituições internacionais, os avanços da Venezuela no campo alimentar descansam fundamentalmente na intervenção do Estado na promoção de investimentos e a entrega de maiores garantias aos produtores. Nos últimos 12 anos, o consumo anual de carne no país aumentou de 407 mil toneladas a 601 mil, com isso o per capita passou de 17,6 a 25 quilogramos, exemplificou o titular de Alimentação, Carlos Osorio.
A Administração do presidente Hugo Chávez recorreu à nacionalização de empresas associadas ao setor entre elas companhias agroquímicas e comercializadoras de alimentos, a fim de evitar especulações e controles monopólicos.
Ao mesmo tempo promoveu a recuperação terras para cultivos, que segundo cifras oficiais somam mais de 2,5 milhões de hectares desde 1999 até a data.
Para o vice-ministro venezuelano de Agricultura Iván Gil, as políticas governamentais de recuperação de terras, entrega em massa de créditos, acesso a tecnologia e cooperação internacional explicam o aumento da produção e a distribuição de alimentos.
Na busca de alternativas para encarar problemas comuns, Bolívia e Venezuela concordaram em março passado a criação de uma empresa grannacional de produção de alimentos.
A ministra boliviana de Desenvolvimento Rural, Nemecia Achacollo, disse que a nova entidade conta com um capital inicial de 60 milhões de dólares para fomentar o cultivo de milho e trigo.
Representantes de ambos os países, asseguraram que a grannacional trabalhará na produção, processamento, intercâmbio, distribuição e comercialização de diferentes produtos.
Dentro desses incluíram soja, batata, milho amarelo, trigo e arroz. Simultaneamente assinalaram o interesse de identificar potenciais rubros de investimento para o processamento industrial de produtos agrícolas e pecuários.
Entidades como a referida grannacional fazem parte dos projetos da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), integrada por Antiga e Barbuda, Bolívia, Cuba, Dominica, Equador, Nicarágua, São Vicente e as Granadinas e Venezuela.
Ainda que com realidades diversas, as nações da América Latina evidenciam que os caminhos para atenuar ou resolver o déficit alimentar precisam soluções contrapostas às leis do mercado, onde especuladores e grandes empresas tratam de maximizar dividendos a custa de matar de fome milhões.
(*) A autora é chefa da Redação América do Sul da Prensa Latina.
Prensa Latina - México
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